Quem lê / Who's reading

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sem sequer pensar...... /(Republicação) / Without even thinking (Republishing)

Engavetados, Cascara


Este texto foi originalmente publicado no meu espaço poético (aqui).
Mas parece-me agora que tem lugar a reviver, cá, nos dias me que olho o mundo:

Metade da minha vida estava dentro de uma gaveta. Vi quando ia guardar lá mais um pedaço e a gaveta já não fechou. Fui amontoando pequenos vestígios, um a um, sem tempo para os arrumar no local devido.

Obrigou-me a parar. A gaveta ficou vazia e tudo nos seus lugares.

Mas sei que a gaveta não vai ficar sempre vazia. Mesmo sem me aperceber, vou abri-la muito rapidamente, sem sequer pensar, e vou esconder lá dentro tudo o que não tenho tempo de guardar.

Até não conseguir fechá-la novamente.

***

This text was originally published on my poetic space (here).
But it seems to me now it should revive, here, in the days that I look at the world:

Half of my life was in a drawer. I saw it when I went over there to put something else there and the drawer wouldn’t closed. I pilled little things, one by one, no time to put them in the right place.

It forced me to stop. The drawer was empty and everything in its place.

But I know that the drawer will not always be empty. Even without realizing it, I will open it very quickly, without even thinking, and I will hide inside all that I don’t have time to put in place.

Until I can not close it again.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Sítio estranho / Strange place

Que sítio estranho este! E é tão desconfortável! No início ainda teve piada, podia correr, remexer na terra, descobrir o que há dentro dos arbustos...! Na minha casa não me deixavam fazer isso, mas eu gostava mais de lá. Não chovia, e não fazia frio quando fica escuro. Nem havia estes barulhos estranhos, não sei o que são, não são como os da caixa que de vez em quando tem cores.
Tenho medo, mas acho que se ficar aqui escondido, não vai haver problema.
E sinto-me sozinho aqui, já passava muito tempo sozinho, mas antes do escuro tinha sempre companhia. Menos agora... Já não brincavam comigo como antes. Não sei porquê. Quando fui viver lá para casa, todos me chamavam para brincar, faziam-me sempre festas. Agora menos, muito menos.
Mas sinto falta dos meus humanos. Será que demorarão muito a vir buscar-me de volta? 
Espero que não, este sítio é estranho! E tenho fome, não sei onde está a comida aqui, só encontro alguma de vez em quando. 
Porque terão os meus humanos vindo para aqui...?!? Também não devem gostar disto; é tão diferente de casa!

***

Dois humanos que não conheço... Hum... Oh, fazem-me festas, devem ser bons humanos!
"Deves estar aqui há dias, pequenote!" - dizem,. Dias? Os meus humanos também falavam disso, nunca entendi o que são. Mas estou aqui há muito tempo, respondi-lhes.
Pegam-me ao colo e levam-me para uma daquelas coisas que os humanos usam para andar mais depressa. "Não quero ir, tenho que esperar pelos meus humanos!!!" - Grito-lhes! 
Mas eles não me ouvem, ou se calhar também não me entendem, os meus humanos também nunca me entendem!
Não quero ir, mas estou tão cansado...

***

Outro sítio estranho...! Mas onde estou eu agora?!? Oiço outros cães, pergunto a um se é uma prisão.
Diz-me que não, que é um sítio para onde os humanos levam cães que não têm casa, para cuidar deles. "Mas eu tenho casa!" - "Estes humanos trouxeram-te de lá, perguntou-me. 
"Não, trouxeram-me de um sítio feio, estranho. Os meus humanos deixaram-me lá, eu estava à espera que me fossem buscar."
Ele olhou para mim e eu entendi. Nós entendemos, às vezes só demoramos mais tempo que os humanos, porque acreditamos neles. 
"Vais ficar bem aqui."

***

Aqui há vários humanos, tratam-me bem, fazem-me festas, dão-me comida. Não é como a minha casa, mas gosto de estar aqui.
Ontem um dos humanos estava triste, percebi que dizia ao outro que o armazém estava a ficar vazio... O que será que é o armazém?


.-.-.-.



Anxiously Patient_furryscally
Antes de mais, quero dizer que não tenho qualquer ligação institucional à União Zoofila ou a outra instituição da mesma natureza. Este post foi aqui deixado por iniciativa individual, e surge depois de ter ido a esta instituição deixar comida para os animais que lá vivem. No dia seguinte, vi um post numa rede social que me alertou para o facto de a comida em armazém apenas restar para 15 dias (Aqui). Fui então assaltada por aquela sensação amarga de quando percebemos que o fazemos é, muitas vezes, tão pouco. 
Mas como alguém dizia "Se todos fizermos o possível, acabaremos por fazer o impossível". E por isso deixo o apelo a quem tiver possibilidade de ajudar. Nem todos terão possibilidade de o fazer, alguns poderão ajudar menos, mas acredito que o pouco que fazemos, soma-se a pouco e pouco.
O relato que aqui deixo não é baseado numa história específica. Mas existem muitas assim. Infelizmente existem algumas piores...  Aqui poderão conhecer algumas dos seus protagonistas.

Obrigada a todos!


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What a strange place this is! And it's so uncomfortable! Earlier it still was funny, I could run, rummage in the land, find out what's inside the bushes ...! In my house they wouldn’t let me do that, but I liked it over there. It wasn’t raining, and it wasn’t cold when it gets dark. Nor were there these strange noises, don’t know what they are, they’re not like the ones in the box that occasionally has colours.
I'm afraid, but I think if I stay hidden here, there will be no problem.
And I’m alone here, already spent a lot of time alone, but I always had company before dark came. Less now ... They don’t Play with me as before. I don’t know why. When I went home to live there, everyone called me to play. Now less, much less.
But I miss my humans. Will they be too long to come and get me back?
I hope not, this place is weird! And I'm hungry, I don’t know where the food is, I just find some occasionally.
Why did my humans came here ...?!? I don’t think they like it either, it is so different from home!

***

Two humans who I don’ t know ... Hum .. Oh, they’re playing with me, they must be good humans!
"You must be here for days, little guy!" – Say... Days? My humans also spoke of it, I never understood what they are. But I've been here for a long time, I answered them.
They take me in their arms and take me to one of those things that humans use to walk faster. "I don’t want to go, I have to wait for my humans!" – I shout at them!
But they don’t hear me, or maybe don’t understand me, my humans also never understand me!
Don’t want to go, but I'm so tired ...

***

Another strange place ...! But where am I now?!? I hear other dogs, I ask one of them if it is a prison.
He says no, that is a place where humans take dogs that have no home,  to care for them. "But I have a  home!" - "These humans have brought you from there?, he asked me.
"They brought me from ugly place, weird. My humans left me there, I was hoping for them."
He looked at me and I understood. We understand, sometimes it just takes longer than humans, because we believe in them.
"You will be all right in here."

***

Here there are several humans, they treat me well, play with me, give me food. It's not like my house, but I like to be here.
Yesterday a human was sad, I realized he was telling the other that the warehouse was getting empty ... I wonder what is the warehouse?


domingo, 7 de abril de 2013

Amor e coca-cola / Love and coke

Ponto de equilibrio_Dan Queiroz

“Amor e cola-cola”. É uma expressão que o meu pai costuma usar para descrever algum amor. Aquele amor que parece fácil de viver. Que surge facilmente, que se vive rápidamente, mas que acaba com a mesma facilidade. Acaba porque já não é coca-cola.

É uma boa expressão. Não me interpretem mal. Amor pode ser coca-cola. Com um sabor que não antevíamos ao olhar para o liquido escuro. Doce, um doce diferente. Com bolhinhas que nos fazem cócegas na garganta. Refrescante. Excelente num dia de verão, e ainda irresístível num dia de Inverno.

Se tivermos sorte, provaremos um amor coca-cola. Que nos faz sentir bem. Que nos faz esquecer que está calor. Ou que está frio.

Mas se tivermos ainda mais sorte, provaremos um amor que sobrevive todos os dias. Que sobrevive à rotina, que sabe que ela às vezes se instala. Mas que sabe também que há forma de a quebrar, que basta querer. Que sobrevive a que alguém chegue a casa cansado, frustrado. Um amor que sabe que nesse dia o outro precisa mais de si que nos restantes dias. Que sobrevive àquele hábitozinho irritante, aquele que no início tinha tanta piada, e agora já não tem tanta. Mas que sabe que isso deixa de ter relevância, quando o mais importante continua lá.

Um amor que cresce, apesar de. Há sempre um apesar de. Em tudo. Mas se vale a pena, temos que nos esforçar por ele. Porquê? Porque o amor É coca-cola.

Mas não é só coca-cola. Também é gelo. Também é limão. Dão mais sabor à bebida. Para mim, coca-cola não é a mesma coisa sem gelo e limão…

***

"Love and coke." It's an expression my father often uses to describe a certain kind love. That love that seems easy to live.  The one that comes easily, which is lived easily, but witch just as easily ends also, because it is no longer coke.

It's a good expression. Don’t get me wrong. Love can be coke, yes. With a flavour we didn’t anticipated, when looking at the dark liquid. Sweet, a different kind of sweet. With bubbles that tickle in the throat. Refreshing. Excellent on a summer day, and yet irresistible in a winter day.

If we're lucky, we prove a coke love. One that makes us feel good. One that makes us forget it’s hot. Or that it's cold.

And if we're even luckier, we will taste a love that survives every day. That survives routine, who  knows that she sometimes settles. But who also knows there’s a way to break it, that it is enough to want it. That survives at someone coming home tired, frustrated. A love that knows that he other needs him more on that day, than on any other other day. That survives to that annoying little habit, who was so funny in the beginning, and now it’s just not so. But who knows that will not be important, when the most important thing is still there.

A love that grows, even though. There is always one even though. In everything. But if it's worth it, we must strive for it. Why? Because love IS coke.
But it's not just coke. It’s also ice. Also lemon. They bring more flavour to the drink. To me, coke is not the same without ice and lemon...

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Chão de lume / Fire Floor

Temperatura Máxima_Ground Zero

Hoje acordei com frio. Aquele frio que me habita os ossos, nas manhãs em que o dia não sabe como vai ser.
Senti aquele gelo que me poupa as mãos, mas envolve a alma sem avisar.

O chão de lume ainda não está gasto, foi feito de novo em material resistente.
A lenha crepita por debaixo do velho fumeiro. Velho não, velho só de memórias – lembro-me de quando não conseguia alcançar a umbreira nem em bicos de pés; agora por pouco não preciso de me agachar.
A lenha arde, aqueço as mãos, enquanto espero que fiquem brasas, ainda fazem os melhores churrascos.
Aqui nunca faltou lenha, nem brasas, nem o que colocar na grelha.

E é então que o frio volta. Lembro-me de que há chãos de lume onde já não há aromas como este, em alguns ainda há lenha para aquecer, mas falta já o calor para o estômago.
E com mais frio ainda fico, quando sei que chãos de lume há, onde não há calor para a alma, apenas o eco das vozes os habita, como se fossem velhos fantasmas…

*-*
Today I woke up feeling cold. That sort of cold that inhabits the bones in the morning when the day does not know how it’s going to be.
I felt that ice that saves my hands, but involves the soul, unannounced.

The fire floor is not worn, it was made ​​ again with resistant material.
The crackling wood beneath the old smokehouse. Not old, just old memories - I remember when I couldn’t reach the top even on tiptoe, now it barely makes me squat.
The wood burns, warms up my hands, while I expect for the charcoal, they still make the best barbecue.
Here it never lacked firewood or charcoal, or what to put on the grill.

And that's when the cold returns. I remember that there are fire floors where there is no longer aromas like this one, there are still some firewood to heat, but now lack the warmth to the stomach.
And colder still I get when I know that there are fire floors, where there is no heat to the soul, but the echo of the voices inhabits, like old ghosts ...

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