Quem lê / Who's reading

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Regressos

Foto de Isa Lisboa
São cinco da tarde e ao longe oiço as badaladas do sino da igreja. 
Contra o branco da mesa de fora, estendem-se laranjas acabadas de colher.
Se fosse Verão, seriam pêssegos, ameixas e morangos e, ao contraste da cor, juntar-se-iam os aromas misturados.
Ao lado, e contrariando o vento e a chuva que ainda por cá estão, as camélias em flor, lembrando-me de um Abril há quase 30 anos atrás, quando ainda ficava bem de ganchinhos, e posar para a máquina de vestido novo era uma espécie de brincadeira.
Quando eu fiz cinco anos, as camélias estavam em flor, o rio estava calmo e o vestido era leve, devia estar um dia de sol quente.
Ao longo da vida, vamos descobrindo novas casas, algumas que fazemos nossas, outras que só alugamos.
Mas é sempre bom poder voltar à primeira casa e rever as flores da infância.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Pelas páginas de… Caminhos, J. B. Xavier

Recebi de presente um livro com um nome sugestivo e com um conteúdo que lhe faz jus. “Caminhos”, um livro de contos que nos fazem reflectir sobre a vida e as suas facetas, e sobre nós próprios.
Partilho aqui convosco um dos contos de que mais gostei, porque tem várias mensagens que me parece importante interiorizar sempre.

Deixo também um grande obrigada à Claudiane, que me enviou este lindo mapa!



***
"Joãozinho era um garoto muito revoltado. O motivo principal de sua revolta era a extrma pobreza em que viviam. Sentia vergonha de usar na escola seu uniforme gasto, que sua mãe cuidadosamente passava horas remendando á noite, mal conseguindo ficar acordada, após um dia duro de trabalho como faxineira
E todos os dias Joãozinho reclamava da vida, e todos os dias ele ia para a escola com mais revolta por mais um remendo em seu uniforme. Pensou em desistir de estudare arranjar um emprego para ajudar nas despesas de casa. Desde que seu pai os deixara, há alguns anos, sua vida ficava pior a cada ano. Os lindos presentes de natal que sempre ganhava, haviam se transformado em pequenas barras de chocolate. Era tudo o que sua mãe conseguia lhe dar.
Joãozinho foi crescendo e se tornou um jovem revoltado com o Destino que o Céu lhe reservara. Mesmo com seu emprego de carregador num supermercado, ele não conseguia ganhar o suficiente para manter-se a si, sua mãe e seus dois irmãos mais novos.
Sua mãe já não conseguia mais trabalho devido á idade avançada, e assim, a única maneira de ajudar, era remendar as roupas dos filhos e cuidar para que estivessem sempre em condições de uso.
Por tudo isso, Joãozinho odiava remendos e sonhava com o dia em que poderia comprar roupas novas.
Mas, um dia, sua mãe faleceu repentinamente, e Joãozinho ficou com a responsabilidade de cuidar dos irmãos, tendo apenas 15 anos de idade. Triste pela morte da mãe, e sem ela para cuidar de suas roupas, ele ficou desesperado, porque pior que usar roupas remendadas era usar roupas rasgadas. Começou a perceber a importância do esforço que sua mãe fazia para mantê-los vestidos e percebeu como é difícil fazer um remendo bem feito.
Agora, só tinha sua namoradinha, Clarisse, para quem se queixar da vida, e graças a ela, que vinha de vez em quando remendar suas roupas e fazer comida para seus irmãos, foi possível continuar na escola e se formar. Ao contrário dele, ela nunca se queixava, e se limitava a cuidar dos três com extremo zelo. Pensou na coincidência de sua aparição em sua vida, justamente quando sua mãe se fora.
Agora, já formado, conseguiu um emprego melhor, e por ser uma pessoa extremamente persistente e trabalhadora, logo estava progredindo e deixando para trás os tempos das roupas rasgadas.
Uma pequena mão tocou no seu ombro, e uma pequena voz perguntou carinhosamente:
- Preocupado com alguma coisa?
Joãozinho olhou para Clarisse e para seus dois filhos brincando à distância no lindo gramado do jardim de sua maravilhosa casa de praia. Estava bebericando uma caipirinha e esperando por seus dois irmãos que viriam almoçar hoje com ele, juntamente com suas esposas e filhos. Pousou sua mão sobre a mão da esposa, e seus olhos marejaram.
- Sabia que você é uma grande costureira?
Clarisse o olho intrigada, sem entender.
- Ao remendar pacientemente, sem queixas, as nossas roupas, você fez o maior de todos os remendos. Remendou minha alma, curando-a da revolta e do ódio. Nunca conseguirei lhe ser grato o suficiente.
- Fiz mais que isso! – disse ela sorrindo enquanto sentava em seu colo. Com aquela linha e aquela agulha cosi você a mim para sempre!
Um beijo os uniu, enquanto a campainha tocava anunciando a chegada das visitas.”


O remendo, J. B. Xavier


domingo, 16 de fevereiro de 2014

A Ponte



Por vezes a forma mais rápida de chegar a um lugar é abrandar e deixar os outros chegarem ao seu destino.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

O que realmente queres?

“O que realmente queres?” – pergunta-me o trailler do filme.

É uma daquelas perguntas que é mais ou menos fácil responder rapidamente. Mas na realidade nem sempre acertamos na resposta.

Normalmente sabemos responder, é certo, mas e quando temos aquilo que queríamos, agiremos sempre como se fosse isso que desejávamos?

É fácil esconder aquele desejo – tão cheio de possibilidades, mas tão cheio de riscos. É possível esconder aquele desejo atrás de outro, que talvez chegue mais rápido, que preenche um cantinho.

Mas quando o realizamos… há ainda aquele outro espaço por preencher. Aquele espaço que nós mesmos olhamos, para não perceber que ele está lá.

Portanto… o que realmente quero? O que realmente quero?


E… para complicar mais ainda… O que realmente preciso?







Este texto foi originalmente publicado aqui, no Blog Pense fora da caixa, um espaço onde colaboro regularmente e que vos convido a visitar.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Pelas páginas de... Até ao Fim, Vergílio Ferreira

Alguns livros ficam guardados na estante durante algum tempo até chegar o dia em que têm que ser de novo lidos. Com novos olhos, para descobrir novos detalhes ou ver alguns de outro ângulo.
Descobri Vergílio Ferreira na escola, com "Aparição". No meses seguintes, devorei vários outros títulos deste autor, pedidos emprestados na Biblioteca Municipal. Já na faculdade, comprei alguns títulos, que guardei em conjunto com aquele primeiro livro do autor.
Há tempos, tive vontade de o reler, e peguei no livro "Até ao Fim".
Não vou deixar um resumo da história, nem uma crítica literária (para a qual não estou habilitada), mas gostaria de partilhar convosco alguns excertos que, nesta segunda leitura (e alguns da primeira), mais me marcaram. 
Se estes excertos vos aguçarem a curiosidade de ler esta obra, espero que a apreciem tanto como eu.

***
"A felicidade não se mede pela quantidade do que nos aconteceu de agradável, mas pela quantidade de nós que responde ao que acontece. Nunca ficou nada em mim que não respondesse. E nas tintas para a filosofia."

***

"E que vamos lá fazer? Mas já to disse, vou fazer uma entrevista. Para quê? E aqui reparo que a pergunta é maior que eu. Tento preenchê-la como posso. E digo, e disse. Miguel portanto era miúdo, porque só quando se é pequeno é que se têm perguntas grandes."

***

"A vida é só ela a ser, sem argumentação. Há mais verdade numa couve que em toda a filosofia."

***

"Não me ponhas o pão com água, oh não, Tina. Cresci muito. Durmo já noites de homem. Nem botija no Inverno? Cresci já até aos ombros viris, tenho já a voz grossa, o que digo agora nela tem o peso do mundo, Tina. Estou já cheio de responsabilidades, tu não podes imaginar. Lutas ódios maldições. E os sonhos, que também pesam. E a estafa para atingir o futuro. E os desastres falhanços humilhações. E essa coisa esquisita dos «problemas de consciência». Não me perguntes o que isso seja, que também não sei bem, Tina. E os ideais com que embandeira a loucura. E o quotidiano que é chato por sua intrínseca natureza e que tem também o seu direito. E mesmo o amor, só é bom enquanto não é ou quando já não. como todas as coisas. E esta chatice absurda de só se gostar a valer do que nunca pode existir. E não me ponhas essa cara pasmada de quem viu o demónio em feitio de cabra à meia-noite, porque tudo o que te digo tem uma verdade solar como um dia de canícula. Ah, cresci demais para poderes existir. Em todo o caso não posso ainda existir todo para largar tudo de mão. Uns anos ainda, Tina. Estou bem confuso da vida - enquanto a sonata me envolve ainda de melancolia. Tenho a alma enregelada, se tu fosses ainda a botija. Estou cheio de horrores adultos e seria bom vir ainda de ti a pacificação."
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