Gostam dos livros da saga “Harry Potter”? Bom, eu gosto. Uma
escrita assim sabe bem, por vezes. Ser transportada a um mundo diferente, em
que a magia ainda existe, imaginar que ela existe aqui mesmo ao meu lado, até
na plataforma do comboio, naquela que eu não vejo - que a magia existe, só que
eu não a consigo ver. Se assim fosse, era triste, talvez, mas a ideia não deixa
de exercer algum fascínio.
Depois, temos o leque de personagens; identificamo-nos mais com
uma ou com outra, e, apesar de serem personagens de um mundo mágico, não
deixamos de as conhecer, aqui, no Mundo dos Muggles.
Hoje não vou falar sobre os heróis, mas antes sobre os vilões.
Fiz uma vez uma brincadeira, de encontrar personagens dos livros
em algumas pessoas que conheço. E sim, havia quem pudesse ser o vilão mais
óbvio, Aquele Cujo Nome Não Não Pode Ser Pronunciado. Mas havia outros vilões
que surgiam, os Dementors.
Os Dementors são guardas de Azkaban, a prisão do mundo mágico. A
sua arma é o seu dom de sugar a felicidade às pessoas que atacam. Literalmente.
Aproximam-se da sua vítima e vemos a sua felicidade a vaporizar-se para dentro
da boca horrenda e enorme dos Dementors, que, assim, roubam toda a felicidade a
quem não se consegue proteger. A vítima fica oca, como ficará alguém a quem a
felicidade foi roubada. Por outro lado, os Dementors não parecem ficar nem um
pouco mais felizes, depois de absorvida uma boa dose de felicidade. Pelo menos
a julgar pelo ar sombrio que mantêm e pela sua saída em busca de mais vítimas.
É como roubar uma linda rosa de um jardim, e a seguir, deixá-la cair na valeta
mais próxima. Matando a rosa e entristecendo o jardim. Para nada…
Acho que há, de facto, muitos Dementors por aí. Uma sala pode
estar cheia de pessoas felizes, bem dispostas, animadas em conseguir algo.
Quando entra um Dementor, a sala fica de imediato pesada, escura, a felicidade
começa a escoar lentamente dos corpos de cada um. Da mesma forma, quando o
Dementor sai, o sentimento de alívio é notório, ainda que ninguém o verbalize.
Todos já nos cruzámos com um destes Dementors, e talvez por isso
às vezes dê por mim a acreditar no mundo de Harry Potter. Por isso e porque
ainda procuro magia na vida.
No mundo mágico, o feiticeiro deve encontrar uma memória, aquela
memória mesmo boa e feliz que tem, e essa memória produzirá um feitiço forte o
suficiente para afastar o Dementor.
Na vida dos Muggles, deparo-me muitas vezes com dúvidas sobre a
melhor forma de enfrentar estes vilões, porque esta memória ajuda, mas nem
sempre funciona com a eficácia prometida nos livros.
E, há pouco tempo, encontrei uma resposta a esta pergunta numa
prateleira de uma livraria, no livro “Os dias do avesso”, transcrição de
algumas conversas de Isabel Stilwell e Eduardo Sá no programa de rádio
homónimo.
E porque naquele dia precisava mesmo ler aquelas palavras, não
resisto a aqui publicar algumas das palavras de Eduardo Sá, esperando que
também a alguns de vocês dêm uma resposta:
“Mas fiquei a pensar
que andam por aí muitos Dementors. Pessoas que parece que nos sugam a
felicidade. No emprego, no autocarro, numa loja em que se entra, aos saltinhos,
feliz, com a alma levezinha, e se sai pesado, cansado. Porque há pessoas que
com uma frase, dois comentários, conseguem sugar-nos a felicidade.
(…)
Há
muitas pessoas que ficam incomodadas com o facto de sentirem alguém com vida,
com esperança, com capacidade de enamoramento com tudo o que está ao seu lado. E,
de facto, essas pessoas não descansam sem as sugar naquilo que elas têm de
melhor. Ás vezes, essas
pessoas são professores e sugam a felicidade dos alunos. Às vezes, acontece ao
contrário. Às vezes, são pais e sugam a felicidade dos filhos. Às vezes, são
pessoas que se cruzam na nossa vida e não param de sugar aquilo que reconhecem
de saudável em nós. Uma memória (tem que ser mágica!) ajuda. Mas mais
importantes, ainda, são as nossas convicções. As pessoas que nos querem sugar
ajudam-nos muito. Quando nos obrigam a olhar bem para dentro de nós, e a
perguntar-nos em que é que acreditamos, dão-nos a mais preciosa de todas as
ajudas.
(…)
Os
guardas de Azkaban, que é uma prisão, estão presos. Mais presos do que eles
imaginam. É claro que, enquanto prendem os outros, distraem-se de tudo aquilo que
os suga, por dentro. Mas Azkaban fica mais perto das nossas casas ou dos
nossos trabalhos do que parece. E, sendo assim, a forma de não ficarmos
Dementors passa por lhes explicarmos que só nos suga quem se sente mortificado
por dentro. E que, por mais que o desejem, o medo com que nos tentam impedir de
perceber o que se passa dentro deles não nos impedirá de os compreender. Nunca vencemos o mal. Vencemos, isso sim, o
medo que o mal nos impõe (mesmo depois de vacilarmos). E o medo do mal vence-se por agarramos o melhor de nós. Essa é a magia.”
E atrevo-me a deixar uma ideia mais para além da que Eduardo Sá
nos dá. Assim como os Dementors conseguem esvaziar uma sala de felicidade,
também existem aqueles que, da mesma forma, enchem essa mesma sala de alegria e
de um bem estar aconchegante, muitas vezes recorrendo a algo tão simples como
um sorriso de compreensão, uma palavra de alento, ou um simples “como estás
hoje?”. Essas pessoas são o outro lado dos Dementors, ajudam-nos a manter o
equlíbrio. Nos livros de Harry Potter, são, talvez os Aurors, uma espécie de
polícias, que protegem os feiticieiros contra os vilões do mundo mágico.
E porque tenho a sorte de ter algumas pessoas assim na minha
vida, aqui lhes deixo o meu obrigada, obrigada por não deixarem que a
felicidade na minha vida seja sugada. Não preciso dizer nomes, sabem quem são.
Um beijo, e um
sorriso.
***
Do you like the books from the "Harry
Potter" saga? Well, I like it. Such a writing is nice, sometimes. To be
transported to a different world, where magic still exists, to imagine it
exists right here beside me, on the platform in the train, the one I have not
seen - that magic exists, but I can not see it. If so, it would be sad,
perhaps, but the idea is still fascinating.
Secondly, the range of characters; we identify
ourselves more with one or the other, and despite they are characters in a
magical world, we know them, here, in the Muggles’s world.
Today I will not talk about the heroes,
but rather about the villains.
I made a play once, to find characters of
the books in some people I know. And yes, there were those who could be the
most obvious villain, He Whose Name Can Not Be Spoken. But other villains came
to mind, the Dementors.
The Dementors are guards of Azkaban, the prison
of the wizard world. Their weapon was their ability to suck happiness from the
people they attacked. Literally. They approached their victim and we would see
happiness vaporizing into the mouth of the huge and hideous Dementor, who thus
rob all happiness to those who could not protect themselves. The victim got
hollow, as would be someone whose happiness was stolen. Moreover, the Dementors
not seem to get even a little happier after absorbing a good deal of happiness.
At least judging by grimly look they kept and since they went out in search for
more victims. It's like stealing a beautiful rose from the garden, and then
drop it in the nearest ditch. Killing the rose and saddening the garden. For
nothing ...
I think there are indeed many Dementors
around. A room may be full of happy people, well disposed, animated about achieving
something. When a Dementor enters, the room is immediately heavy, dark,
happiness starts to slowly go away from the people around. Likewise, when the
Dementor igets out, the feeling of relief is notorious, though nobody verbalizes
it.
All of us have crossed with one of these
Dementors, and maybe that's why sometimes I believe in Harry Potter’s world. And
because I still search for magic in life.
In the magical world, the sorcerer must
find a memory, that memory you have which is good and happy, and that memory
will produce a spell strong enough to ward off the Dementor.
In the lives of Muggles, often I am faced
with questions about the best way to tackle these villains, because this memory
helps, but does not always work with the efficiency promised in the books.
And, recently, I found an answer to this
question on a shelf of a bookstore, in the book "The days inside
out," transcript of conversations between Isabel Stilwell and Eduardo Sá,
on the radio program with the same name.
And sinceb that, on that day I really
needed to read those words, I can not resist posting here some of Eduardo Sá’s
words, hoping some of you may also find an answer here:
"But I think that many Dementors walk
around. People who seem to suck our happiness. At work, on the bus, in a store
you enter, hopping, happy, really light soul; and you leave heavy, tired. Because
there are people which with one sentence, two comments can suck us happiness.
(...)
There
are many people who are uncomfortable with the fact that someone feels alive,
with hope, capable of falling in love with everything around. And, indeed,
these people do not rest without sucking the best they have. Sometimes these people are teachers and suck the happiness of students.
Sometimes it happens in reverse. Sometimes they are parents and suck the
happiness of children. Sometimes, it’s people who cross our lives and do not
stop sucking what they recognize of healthy in us. A memory (it must be magical!)
helps. But more important, though, it’s our beliefs. People who want to suck
our happiness help us a lot. When they force us to take a good look within ourselves,
and ask ourselves what we believe, they give us the most precious of all aid.
(...)
The
guards of Azkaban, which is a prison, are imprisoned. They are more prisoners
than they imagine. Of course, while holding others, they distract themselves
from everything that sucks them inside. But
Azkaban is closer to our homes or our jobs than it seems. And thus, the way not to became a Dementor is to explain that the only
ones who suck us are the ones who feel mortified inside. And that, as much as
they wish, the fear with which they try to prevent us from realizing what is inside
them, they will not prevent us from understanding them. We will never overcome evil. But we can overcame the fear that evil
imposes upon us (even after falter). And the fear of evil is beaten by holding
on to the best of us. That's the magic. "
And I dare to leave another though,
beyond the one Eduardo Sá gives us. Like the Dementors can empty a room of
happiness, there are also those who, likewise, fill the same room with joy and a
cosy well being, often resorting to something as simple as a smile of
understanding, a word of encouragement or a simple "how are you
today?". These people are the other side of the Dementors, who help us to keep
balance. In Harry Potter’s books, they are the Aurors, maybe, a sort of
policemen, who protect the wizards against the villains of the magical world.
And because I am lucky to have some
people like that in my life, here I leave them my thanks, thanks for not
letting happiness in my life being sucked out. Needless to say names, they know
who they are.
A kiss and a smile.